quarta-feira, 23 de outubro de 2013

nacos



carregava uns nacos de nuvem embaixo dos braços como se fossem pães que acabara de comprar na padaria.
passava dias com aqueles nacos imaginando chuvas e trovoadas. pendurava-os pelas portas, janelas, cabides, esperando algum tipo de precipitação mas a precipitação não vinha, a trovoada não vinha, o amor não vinha, nem aquela moça vinha.
então vinha de repente uma calma, uma espécie de iluminação, uma canção bonita vinha e umedecia seus sonhos despertos. seus olhos de chuva desabotoavam e ele sorria com os nacos de nuvem agora ensopados em suas mãos.




terça-feira, 22 de outubro de 2013

Mini-manifesto Animals Bloc!

Toda essa polêmica em torno da utilização de animais como cobaias na indústria de cosméticos me levou a profundas reflexões... Acho que precisamos radicalizar e, além de beagles, coelhinhos, ratinhos e afins, também devemos libertar nossos irmãos bois do matadouro e nossas irmãs galinhas do galinheiro. São todos gente como a gente, bicho! Detalhe, quem vos fala não é uma herbívora! Ah, sem esquecer o nosso irmão jumento tão explorado quanto certos trabalhadores...

Por isso proponho desde já a formação de grupos de discussão para pensarmos em formas de estimular os animais a se libertarem de seus carrascos humanos com táticas Dog Bloc, Rabbit Bloc, Ox Bloc, Chicken Bloc, Donkey Bloc, bloc, bloc, bloc… muitos, muitos Animals Bloc! Uma emergência e uma insurgência! Uma verdadeira Revolução dos Bichos (não, nada a ver com aquela do Orwell). Incluindo aí, obviamente, os Bichos Escrotos tão difamados pelo cidadão dito civilizado. Alguém aí lembrou aquela música dos Titãs? Mas a “oncinha pintada, zebrinha listrada, coelhinho peludo”, não precisam se foder não!

Que tal? 


quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Pornografe-se!

por Vândal@ Viral
in http://vandalaviral.tumblr.com/

“Não se nasce pornográfica, torna-se pornográfica” Sandin@ Sândal@
Pornografia é um assunto cabuloso dentro do movimento feminista. Algumas feministas rejeitam, outras, bem poucas, defendem. De fato numa sociedade dominada pelo patriarcado, a pornografia acaba sendo mais uma forma de opressão sobre as mulheres.  A mulher como objeto sexual a serviço dos prazeres masculinos é a tônica da maior parte da produção pornográfica em vídeo. Sem falar naqueles que incitam a violência. É preciso saber selecionar o que ver porque existem sim vídeos ardentes que excitam homens e também mulheres.
Considero a pornografia, seja em vídeo, fotografia, arte ou literatura, um recurso bastante válido na excitação de prazeres sexuais, contribuindo para libertação das camisas de força da moral e bons costumes. Mas não apenas isso. @ artista, diretor/a, poeta, escritor/a, fotógraf@ tem direito de se expressar através da pornografia. Sua expressão pornográfica muitas vezes é uma forma de soltar seus demônios. Sua expressão provoca catarses em si mesmo e no leitor/expectador .
Há quem separe erotismo de pornografia, sendo o primeiro uma forma mais sutil (eu diria tímida ou pudica) de expressar essa revolução que o sexo provoca em nossos sentidos.  O termo erotismo nos diz que nele não há a vulgarização da imagem da trepada. E também pretende separar arte erótica de pornografia. Eu, pessoalmente, prefiro não fazer essa distinção entre erotismo e pornografia. Mas compreendo a necessidade que alguns têm,  afinal a quase totalidade da produção dita pornográfica é monstruosamente anti-estética (refiro-me a vídeos) e sem criatividade.  A pornografia consumida em motéis, salas de cinemas decadentes e na internet é feita pra consumo rápido, é um fast food sexual, bem no espírito (na verdade falta de espírito) capitalista…Essa pornografia não supera a linha do mal gosto, do malfeito, é nua e crua mas para muit@s funciona muito bem como aperitivo erótico. Por isso não a condeno de todo…E é sempre bom lembrar que pornografia é assunto de/para adultos.
De certo aquel@s que tem gosto estético, que gostam de arte e também apreciam uma boa foda, merecem coisa melhor. Muit@s já não se contentam com esse erotismo higiênico e suave, querem algo mais forte, úmido, sujo, descabelado e visceral! Desejam uma expressão mais próxima da realidade sem, contudo, dispensar a arte, a estética.
Se as feministas moralistas entendessem isso, as mulheres poderiam invadir a pornografia, segmento dominado por produtores do sexo masculino. E assim eliminar o viés sexista presente na produção pornográfica. Muitas mulheres já fazem arte, poesia e vídeos pornôs mas ainda é pouco para fazermos uma revolução nesse segmento.  
Vulva la revolución!
:
Vândal@ Viral

domingo, 7 de julho de 2013

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Fernando Pessoa + Blues Etílicos

LIBERDADE
    Ai que prazer
    não cumprir um dever.
    Ter um livro para ler
    e não o fazer!
    Ler é maçada,
    estudar é nada.
    O sol doira sem literatura.
    O rio corre bem ou mal,
    sem edição original.
    E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
    como tem tempo, não tem pressa...

    Livros são papéis pintados com tinta.
    Estudar é uma coisa em que está indistinta
    A distinção entre nada e coisa nenhuma.

    Quanto melhor é quando há bruma.
    Esperar por D. Sebastião,
    Quer venha ou não!

    Grande é a poesia, a bondade e as danças...
    Mas o melhor do mundo são as crianças,
    Flores, música, o luar, e o sol que peca
    Só quando, em vez de criar, seca.

    E mais do que isso
    É Jesus Cristo Dionísio,
    Que não sabia nada de finanças,
    Nem consta que tivesse biblioteca...

    Nota:  na última estrofe, permiti-me substituir Jesus Cristo por Dionísio porque acho que combina mais, bem mais!!! rsrs...

sábado, 6 de abril de 2013

a buceta (versão visual)




a buceta


a buceta voa
voa e pulsa
sonha o céu
o mar
o rio
convulsa
a buceta sonha passarinho
alcança a nuvem
sonha nuvem
lambuza de vento
e molha
a buceta chove e chupa
upa upa cavalinho!
a buceta pensa que é de vinho
sofre de chuva, a vulva
violeta e uva

quarta-feira, 3 de abril de 2013

terça-feira, 26 de março de 2013

memórias ilustradas

Por acaso, totalmente por acaso, descobri um dos livros mais singelos que já li: Reflexos e Sombras, do ilustrador romeno, naturalizado americano, Saul Steinberg (1914-1999).

Com a colaboração do amigo italiano Aldo Buzzi, Steinberg conta, através de textos e desenhos, suas memórias desde sua infância pobre na Romênia - onde diz que sua vida era "equivalente de ter sido negro no estado do Mississsippi" - até sua carreira como ilustrador nos Estados Unidos.

Após estudar, durante um ano, filosofia e literatura na Universidade de Bucareste, Steinberg foi para Milão onde estudou arquitetura, mas em 1941, devido as leis raciais de Mussolini, Steinberg foi para os Estados Unidos, não antes sem passar por um campo de concentração. Nada que tenha lhe deixado sérios traumas: "Tive sorte". Ficara num casarão improvisado e humano. Dizia que a polícia fascista tocava seu trabalho sem o menor interesse, o que gerava "uma ineficiência que, por sua vez, se traduzia em menos injustiça".

No decorrer do livro, Steinberg fala de família, de seu pai que era encadernador de livros, sua mãe, seus tios e tias, sobre paisagens, lugares, arte, costumes, comidas...tudo de um jeito leve, leve.

Quando faz certa crítica ao american way of life ( Steinberg viveu nos Estado Unidos mais da metade de sua vida - 1943 a 1999), ele comenta  "Nos Estados Unidos não se pede a um transeunte que indique um bom restaurante, como se faz na Itália ou na França. As pessoas não sabem o que é um bom restaurante porque aqui vão ao restaurante para se divertir, não para comer".

Em outro momento diz, sobre o uso de reflexos em suas ilustrações "Eu sempre achei que, para exprimir certas coisas, devia transformá-las em brincadeiras, em jogos de palavras ou em algum tipo de estranheza chamado humor. Vestir a realidade para que ela possa ser perdoada."

E há também momentos poéticos como quando conta que "Na Romênia, em noites de lua, as camponesas olhavam para os fundos dos poços até ver a lua. Então jogavam um balde no poço, lentamente puxavam a água com a lua dentro e bebiam o reflexo com uma colher. Naquele momento, olhando para o fundo do poço,  podiam ver o rosto do futuro esposo."

Há muitos trechos deliciosos de se ler neste livro de memórias de Steinberg. E tudo acompanhado por  lindas e divertidas ilustrações, o que torna a leitura ainda mais leve e saborosa.

Fica a dica!





sexta-feira, 22 de março de 2013

camurça

Creio que tod@s concordam que "Camurça" não é um sobrenome muito comum. Lembro que, quando criança, @s amigunh@s  de escola achavam graça no nome e sempre lembravam do papel camurça, utilizado nas atividades escolares. Alguns diziam zoando: "teu pai fabrica papel camurça, é? quaquaquaquaquaqua...". E eu nem ligava.... Sempre gostei do meu sobrenome, associado a uma textura macia e aveludada. Na época nem sabia que camurça era um antílope que dá nome ao couro de bolsas e sapatos. Só descobri isso mais tarde e gostei ainda mais do sobrenome! Não pelas bolsas e sapatos, claro... mas por ser um bichinho símpatico e macio.

Meu pai dizia que Camurça podia ser um sobrenome dos cristãos-novos, que adotavam um nome de árvore ou animal para escapar da perseguição da inquisição durante a Idade Média. E ainda dizia, sempre que minha mãe falava com vaidade do brasão da família Sampaio (sobrenome de meu avô materno): "Os Camurças não tem brasão não, nossos ascendentes eram simples lavradores portugueses...". Dizia isso com aquele jeito irônico e cínico dele. E eu adorava isso [risos].

Pois bem, a única coisa que sei de concreto sobre camurça é que é um antílope, uma espécie de cabra-montesa encontrada nos Alpes e nos Balcãs. E pesquisando mais na web descobri  "O órix ou guelengue-do-deserto (Oryx gazella),um grande antílope africano, também chamado de gemsbok, nome de origem neerlandesa, que significa camurça"...

Quanto a minha origem, quem foram meus ascendentes mais remotos, de onde vim, pra onde vou, onde estou, QUEM SOU???... não sei nadinha, nadinha! Oh, dúvida cruel!! [risos].Meu lado existencialista é uma piada!

Olha as camurcinhas aí! 





quinta-feira, 7 de março de 2013

Holy Motors

Holy Motors, o filme mais estranho que vi nos últimos tempos.
Bizarro, barroco, surrealista, existencialista, entre outras coisas.... Bem, como crítica de 
cinema, sou uma ótima costureira, rs... mas vi tudo isso no filme.
Poderia ter selecionado outras cenas do filme, como a do acordeon (belíssima tbm) mas esta me encantou esteticamente, pelo efeito lúdico!
Dá uma olhada! Melhor ver no modo tela cheia porque a imagem é escura.
Ah, recomendo o filme! É bonito, criativo, ótimos atores, fotografia e roteiro de primeira mas, repito, é estranho, muito estranho...

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

carnaval pé no chão

Carnaval acabou e todo ano todo folião tem a mesma sensação: foi pouco, quero mais!

Nem me incluo entre os foliões típicos porque, apesar de achar o carnaval a festa mais linda do mundo, sou uma foliona atípica: danço, canto mas sou muito mais contemplativa.

Adoro ver os maracatus, os afoxés, caboclinhos, os blocos líricos e todo tipo de fantasia que o povo inventa. O carnaval é, por excelência, a festa da irreverência, da alegria, da piada, do bom humor.

Tem quem ache tudo isso superficial, sem profundidade, frívolo. E é mesmo, ainda bem. No carnaval podemos assumir nosso lado mais fútil sem culpa, cometer alguns pecadilhos, inventar fantasia, brincar, enfim, ser novamente criança. Afinal ser o ano todo criança é impossível...

Mas carnaval também é coisa séria para muitos brincantes. Falo disso pensando nos caboclos de lança dos maracatus rurais que se preparam o ano inteiro, bordando suas golas e depois viajam da zona da mata até Recife/Olinda para se apresentar.Também penso nos integrantes das escolas de samba, dos afoxés, caboclinhos, pessoas simples, pobres das coisas materiais mas imensamente ricas de espírito, de bravura. Pessoas que mesmo fodidas, lascadas e mal pagas fazem questão de manter a tradição do seu folguedo, da sua escola que, muitas vezes, é o que dá sentido às suas vidas.

É por essas e outras que, mesmo se um dia eu parar de brincar carnaval (e a cada ano eu brinco menos...), o carnaval sempre será uma festa que terá o meu respeito e admiração, seja aqui, em Pernambuco, ou em qualquer lugar do Brasil onde as pessoas façam uma festa bonita de se ver e brincar.

Sei que esse samba é melancólico mas os sambas mais lindos são melancólicos mesmo, né não? Lembrei dele quando decidi escrever esse texto: Tristeza Pé no Chão com a saudosa Clara Nunes.




sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

moços, pobres moços...



“Os velhos são confusos porque sabem fazer muitas coisas que não se usa mais.” (Paulo Leminski)
                                                                                                                      

Desde que entrei no facebook há pouco mais de uma semana, quase todo dia fico fuçando o que tem de opções “curtir”. Às vezes lembro algum artista, poeta ou escritor e vou à cata pra ver se tem facebook.

Outro dia me lembrei de Nelson Leirner, artista que gosto muito, ainda que conheça pouco. E não é que achei! Tinha dúvidas se o encontraria porque Leirner tem seu próprio website onde estão expostos seus trabalhos desde a década de 60 até hoje. Mas suas últimas atualizações no facebook eram poucas e de 2011...

Daí fiquei imaginando – e só posso imaginar mesmo porque não conheço Leirner – que provavelmente por conta da idade (Leirner tem 80 anos) ele simplesmente não se adapta, ou não gosta  - ou não gosta porque não se adapta  - às redes sociais.  

Leirner, apesar da idade, exala juventude, anarquia, contestação e ludicidade em sua obra. Desde os anos 60 até hoje ele não perdeu o pique! Fiquei imaginando o quanto ele deve se sentir pouco à vontade e até confuso com computadores, internet e redes sociais. Além disso imagino que Leirner ocupe bastante tempo com sua arte, pensando, elaborando, experimentando, brincando!

Então lembrei a frase de Leminski que citei no início do texto e que se encontra em seu livro Catatau: “Os velhos são confusos porque sabem fazer muitas coisas que não se usa mais”.

Essa frase que, inicialmente, pareceu-me melancólica, numa segunda leitura me fez imaginá-la como se fosse o pensamento de muitos jovens que desdenham dos mais velhos por não saberem utilizar as novas tecnologias. Esse tipo de jovem não valoriza a sabedoria, a bagagem de experiência e conhecimento dos velhos, simplesmente por considerará-la inútil, “...que não se usa mais”.

Moços, pobres moços, agora lhes digo parafraseando o poeta: Os muito jovens que me perdoem mas velhice é fundamental!

Figurativismo Abstrato (2004)
arte de Nelson Leirner


domingo, 27 de janeiro de 2013

Para Perdedores

Para Perdedores é o nome do segundo disco de Walter Areia, mais conhecido como Júnior Areia, baixista, há mais de dez anos, da banda Mundo Livre S/A, além de compositor e produtor musical. Mas se na Mundo Livre, Areia toca baixo elétrico, em seu trabalho instrumental ele assume o contrabaixo acústico e já se tornou uma das principais referências do instrumento em Pernambuco.

Ainda estou ouvindo o disco, aos poucos, pelo site do próprio Areia, músico talentosíssimo!

Segue um vídeo do Areia & Grupo de Música Aberta com Maracatu de Baque Etéreo (adorei esse nome), um belo trabalho instrumental com sotaque nordestino. Todos os músicos são ótimos e o contrabaixo do Areia se faz percussão de maracatu de baque virado: segue o mesmo compasso, a mesma marcação da alfaia. No site Musicareia há mais informações sobre o disco, sobre o disco anterior (A Décima Lua), sobre o próprio Areia e todas as músicas (de ambos os discos) para ouvir e fazer daunloudi.




Para facilitar a vida de meus leitores e leitoras ouvintes de boa música e também por mim, peguei o soundcloud dos dois discos do Areia,  Para Perdedores (4 faixas) e A Décima Lua (11 faixas) e truxe pra cá. Ei-lo:



diversa fauna


grafismo meu de um ano atrás, editado originalmente no meu almanaque 68

sábado, 19 de janeiro de 2013

imperdível!




De uns tempos pra cá, deixei de ver sentido em fazer qualquer tipo de resenha sobre um filme ou um disco. A não ser que tivesse algo de muito significativo a dizer. 

Vi  O Som ao Redor no final de semana passado e acho que nem preciso dizer que gostei um bocado. 

O filme mostra tensão, medo, barulho de todo tipo que tem nas cidades. Além de mostrar a origem do comportamento prepotente da nossa elite urbana.

Tenho muito orgulho do cinema que tem sido feito em Pernambuco, muitos baseados na realidade cotidiana das pessoas e sempre premiados em festivais nacionais e internacionais. O Som ao Redor é mais um a se destacar, seja pelo roteiro, pela qualidade da fotografia, edição e, em especial, o som com ruídos e trilha sonora de DJ Dolores. Como disse o próprio Kleber Mendonça Filho, "o som é 50% do filme". Pois o som é um dos principais responsáveis pela tensão e suspense do filme.

Se puder, assista! Já está em cartaz na maioria dos cinemas das capitais brasileiras.


sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

de volta à década de 80!


Ainda não ouvi Moon 1111, último disco de Otto, na íntegra.
Mas, de cara, adorei a música abaixo: Puro anos 80!

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

minha canequinha de inox


Quando era criança, sempre passava as férias escolares na casa de meus avós maternos, em Fortaleza. Certa vez, durante uma dessas férias, ganhei  de minha Vó Naida, uma canequinha de inox com meu nome gravado. Lembro que adorei! Achei o máximo! Nunca tivera nenhum objeto com meu nome. Fiquei me achando muito especial. Até que, ao visitar meus primos e primas, descobri que todos eles tinham uma caneca exatamente igual a minha, com seus nomes também gravados. E eu achando que era a única neta que tinha ganho aquele presente...

Bobagem, vaidade, meninice, não importa, fiquei um tanto decepcionada. Mas com o tempo passou, claro. Sempre gostei e cuidei com carinho da minha canequinha, coisa que alguns primos não faziam: as asas das canecas deles eram deformadas, provavelmente de tanto levar queda.


Quando entrei na adolescência abandonei a canequinha porque achava um tanto ridículo usar uma caneca de criança com meu nome gravado. Além disso tinha algo de burguês ou aristocrático naquela canequinha. E na adolescência eu idolatrava Che Guevara. Tinha lido uma biografia de El Che, contando a história da Revolução em Sierra Maestra e acreditei - juro - que só a revolução armada poderia salvar a humanidade do capitalismo. Ainda não sei como nos livraremos do capitalismo mas revolução armada já saiu,  há muito, dos meus planos...


Passaram-se os anos e minha canequinha permaneceu guardada - e abandonada - no armário da cozinha lá de casa. Mas quando saí pela primeira vez da casa de meus pais, não esqueci de levá-la comigo, seja pelo valor afetivo que representa ou por talvez intuir que um dia ela voltaria a ter utilidade.


Há dois dias resgatei minha canequinha do limbo no qual passara décadas. Mas não estou usando-a em casa. Levo-a em minha bolsa e quando entro em algum lugar que tem aqueles garrafões d'água, saco a bichinha e dispenso os copos plásticos (aonde quer que eu  vá, bebo água: Recife tem um calor dos infernos!).


E assim minha canequinha de inox burguesa adquiriu uma função social, sustentável, anti-consumo e, consequentemente, anti-capitalista. 


Carregada de valor afetivo, virou símbolo de meus pequenos gestos a favor de um mundo menos artificial, menos descartável, menos plástico!